sexta-feira, 13 de julho de 2012

EXAMES E SABER...
Mal foram divulgados os resultados dos Exames Nacionais, quanta verborreia de baixo nível alimentada, infelizmente, pelos jornalistas!


Na SIC Notícias, a meio da tarde, deu-se largas às frustrações dos que se atiram aos docentes, por acharem que por mais um bocadinho, também eles tinham sido «ao menos professores»! Outros, formados e tudo, mas certamente daqueles formatadinhos e vomitadores de manuais, a dizerem asneiras como esta: tirei a minha filha do privado, infelizmente, por motivos financeiros, mas lamento, porque… (e aqui, pensei, se é engenheira, sabe que Saber é muito mais do que vomitar e que cabeça bem-cheia, não significa cabeça bem-feita…mas não, fez jus ao ditado antigo)… Bem, a senhora diz esta bacorada: porque no colégio os professores faziam tudo e agora a minha filha, felizmente manteve os cincos, mas tudo às suas custas, ela é que teve que se esforçar!

Isto é o máximo! E o jornalista não pegou nisto! Os jornalistas não têm obrigação de educar o povo, em vez de perpetuarem o politicamente correto?!

Outro telefonema significativo (pois a maioria era de reformados que mandam bocas de café, a que já nem neste país de tacanhos se pode dar crédito!), pois retrata o modo como ainda se pensa neste país de ainda arrivistas do ensino e da cultura…foi um estudante do superior, com 21 anos, portanto, seguramente daqueles que não tem dinheiro para o essencial, mas passeia-se com batina como qualquer arrivista…bem, o coitado lamentava que, por exemplo, os exames de Biologia não avaliem corretamente (entenda-se, memorização) e estejam contra o programa. Ora, nem os professores muitas vezes leram o programa! Será que ele quis dizer Índice dos manuais da Porto Editora, daqueles que depois são acompanhados com aqueles vómitos de ditos resumos da matéria que qualquer analfabeto podia decorar e despejar!!...

Enfim, quando é que as pessoas percebem que o dito Eduquês Cratiano não existe?! Nunca se pretendeu separar conteúdos de competências e competências não são skills, são muito mais. Formar alunos competentes e avaliá-los nessa base, significa tão só, verificar se sabem pensar, se sabem mobilizar os saberes já memorizados no ensino básico (por isso é que se chama básico!) e se os sabem aplicar em novas situações. Por isso é que alguns exames não avaliam (felizmente) o que o tal jovem diz ser o programa. E ainda bem. O que é uma pena é que ainda sejam só algumas disciplinas a fazê-lo!...

O ensino secundário seria um grande desperdício, se se limitasse a medir o que os meninos dos colégios e das turmas A dos liceus acumulam de saberes decorados e não apropriados!...

Quer esses alunos sigam já para o superior, quer não, deve ficar provado que não se limitaram a decorar saberes, muitas vezes já desatualizados. Eles têm que provar que desenvolveram competências e que sabem transformar informações em Conhecimento, ligando e religando saberes, adaptando-se a uma sociedade que já não exige apenas que saibam a lista telefónica de cor, aliás, já nem há listas telefónicas! … Ou que saibam os caminhos-de-ferro de cor, ou que despejem nomes de rios e de capitais… O Saber hoje exige muito mais do que aquilo que está ao alcance de um clicar!... Para isso, frequentaram o ensino básico e, supostamente, adquiriram esses dados objetivos.

Até já há estudos a comprovarem que os formatadinhos que ficam sempre bem nos rankings de trazer por casa, aqueles que têm boas notas com mais esforço da escola do que deles, individualmente… esses aguentam-se depois com muito mais dificuldade do que os alunos que desenvolveram mesmo competências!

Já Kant nos ensinou há muito que não há Saber, sem esforço individual e, no século XVIII, Luís António de Verney não se cansava de apelar a um Saber diferente… e nenhum deles viveu na Sociedade da Informação e do Conhecimento!

Mas Daniel Sampaio, que é deste tempo, não se cansa de lançar alertas. Deixo-vos aqui uma das melhores sínteses desta situação, caso não tenham dado por ela:

DANIEL SAMPAIO – PÚBLICO, REVISTA, 1-7-2012

PORQUE SIM, EXAMES

«Em julho terminam os exames, mas já começou a discussão sobre a sua importância ou oportunidade.

Há sempre duas posições: os eternos defensores de mais exames e os que contestam a sua existência generalizada. Os primeiros dizem que são úteis rituais de passagem, porque aumentam os conhecimentos e permitem avaliar com mais rigor quais são as boas escolas. Os segundos trazem a Finlândia, com as suas raras provas finais de avaliação e os seus excelentes resultados.

Eu acho esta discussão redutora. Para mim, existem coisas muito mais importantes do que os exames. Sou professor catedrático na Faculdade de Medicina de Lisboa, com a responsabilidade de duas disciplinas do curso médico. Vejo como os alunos se preocupam com a avaliação final e como, em regra, conseguem excelentes notas. Por vezes, contudo, fico com dúvidas: com tão boas classificações nas cadeiras básicas, por que razões não utilizam esses conhecimentos para compreender a clínica? E com 18 a Psiquiatria, o que irão fazer com noções básicas de Psiquiatria e saúde Mental, quando se cruzarem com a doença mental?

A escola deveria ter como preocupação decisiva a aprendizagem e não a classificação. Avaliar não é o mesmo que classificar, por isso a avaliação decisiva só poderá ser permanente e em todos os contextos. As metas de aprendizagem precisariam de ser definidas com todo o rigor e dirigidas para o aumento dos conhecimentos, a capacidade de resolução de problemas e o sentido crítico, de modo a que os alunos aumentassem a sua capacidade de compreensão do mundo. A escola forma cidadãos ou peritos em testes? Os professores ensinam para o exame, ou, ao lado dos pais, educam para o mundo?

Os exames são necessários e úteis. Sistematizam os conhecimentos, fomentam a auto-organização e a disciplina, permitem confirmar os melhores e dar oportunidade aos que não estudaram muito durante o ano. Contribuem para que os professores não se dispersem e se concentrem mais nos alunos com dificuldades.

O problema é se os exames se transformam num fim e não num meio. O risco é se tudo, na escola, passa a girar à volta das avaliações finais. Porque assim teremos professores obcecados com os rankings dos estabelecimentos de ensino, com os enunciados do ano passado e com as previsões do que poderá sair este ano.

Eu prefiro uma escola exigente, mas muito atenta a cada um dos seus alunos. Uma sala de aula que promova a capacidade de aprendizagem, faça a avaliação e registo do progresso das crianças e jovens e promova a adaptação a novas situações. Um professor que interiorize a necessidade de educar, porque um pai de hoje não pode fazer tudo. Um estabelecimento de ensino que tenha exames, claro, mas onde a avaliação final seja apenas mais um passo na consolidação dos conhecimentos. Uma escola onde o truque para o exame final, a batota ou o resumo apressado de um texto clássico não sejam os mais importantes.

O risco da excessiva valorização dos exames é grande. Na minha Faculdade, interrogamo-nos se estaremos a formar bons médicos: com bons conhecimentos, humanos, com compaixão pelos doentes e espírito de sacrifício. Convém que a escola básica/secundária pergunte: não será preciso ir mais além do que propor mais exames?»