quinta-feira, 26 de junho de 2008

SÍNTESES DE LEITURAS

Eis algumas notas retiradas da obra de Carlos Moreira Azevedo e Ana Gonçalves Azevedo, Metodologia Científica, Contributos práticos para a elaboração de Trabalhos Académicos, Porto Editora, Porto, 1998:

Logo na Introdução, clarifica-se que Metodologia é, etimologicamente, a ciência em ordem a encontrar um caminho para, a arte de adoptar o caminho próprio para atingir um determinado fim, sendo o Método, o programa previamente estabelecido para atingir determinado fim, de modo mais convincente. Este é tanto melhor, quanto mais houver correspondência entre o fim desejado e as acções a desenvolver.
Para produzir novos conhecimentos, existe uma alavanca basilar: a arte de perguntar. Só aprende verdadeiramente quem se interroga, quem sabe valorizar as suas dúvidas. Aprender a «pescar», em vez de «comer o peixe já pescado» é o melhor método de atingir o conhecimento.
Mas o que é o conhecimento?
Lakatos refere a existência de quatro tipos de conhecimento:

. Conhecimento Popular – conhecimento valorativo, porque se baseia em estados de ânimo e emoções, superficial, sensitivo, subjectivo, assistemático e acrítico, porque se baseia nas aparências, nos dados imediatos, refere-se a vivências, não se preocupa com a sistematização das ideias nem com referências teóricas e não se manifesta sempre de uma forma crítica.

. Conhecimento científico – conhecimento baseado em factos reais, que se podem constituir em problemas de investigação, é verificável por processos experimentais e organizado sistematicamente em corpos lógicos que formam as teorias; resulta da aplicação da metodologia científica e esta é uma das suas principais características.

. Conhecimento Filosófico – conhecimento também valorativo, porque se baseia em hipóteses não verificáveis por processos idênticos aos de outras áreas científicas; é sistemático e racional baseando-se numa série de postulados, enunciados segundo princípios logicamente coerentes.

. Conhecimento Teológico – conhecimento assente em verdades infalíveis e indiscutíveis, implícitas numa atitude de fé perante um conhecimento revelado; no entanto, obedece a procedimentos metodológicos e a controlos de aspectos subjectivos que são inerentes a toda a investigação científica.
Quais os procedimentos comuns do conhecimento científico?
Os autores reconhecem como determinantes e fundamentais a qualquer processo de investigação científica, os elementos subjectivos (mais conotados com a Ética do Investigador) e os elementos metodológicos.
Como se desenvolve um processo de investigação científica? Quais as componentes de um projecto de investigação?
Apesar da interpenetração de todos os passos e do permanente voltar atrás para refazer e redefinir, podemos assentar que há sete passos a percorrer:

1. Identificação do objecto de trabalho
2. Explicitação da hipótese
3. Escolha do método
4. Selecção das fontes
5. Elaboração de um plano de trabalho
6. Recolha e tratamento dos dados
7. Apresentação das conclusões.

Invocando Quivy (1992), os autores alertam contra erros de principiante que convém evitar, todos relacionados com a não observação de procedimentos metodológicos:

. A «Gula Livresca» - leitura desmesurada e não orientada de bibliografia, sem a definição prévia do objecto de investigação, o que conduz a uma «indigestão» de informações não integradas (A propósito de estratégias de leitura, citando Lasterra – 1989 – são aconselhadas, já na fase de estudo, as seguintes: leitura global ou pré-leitura, leitura selectiva, leitura compreensiva, leitura crítica e leitura reflexiva).

. A «Passagem às Hipóteses» - precipitação para a recolha de dados e para a aplicação das técnicas sem uma pré-teoria que a oriente, o que conduz a uma abundância de dados que não serão usados ou a uma má selecção e aplicação das técnicas.

. A «Ênfase que Obscurece» - uma pretensa sabedoria encobre uma real incapacidade para identificar e definir um objecto de investigação, o que se traduz numa redacção pomposa e ininteligível.

Quais as técnicas auxiliares mais comuns em ciências sociais?
Os autores destacam quatro:

1. A Observação
2. A entrevista
3. Os Questionários
4. A Análise de Conteúdo.
A cada uma destas técnicas subjazem metodologias diferentes: qualitativas e/ou quantitativas.

A Observação – Técnica por excelência para estudar fenómenos através das manifestações comportamentais. Pode ser participada, quando o sujeito da observação sabe que está a ser observado ou não participada, quando há um desconhecimento desse facto. A observação pode também ser estruturada, quando o investigador construiu a priori uma grelha de análise usada para no decorrer da observação registar a ocorrência de comportamentos por ele pré-definidos ou não estruturada, se o investigador pretende receber do próprio acto de investigação toda a informação para construir posteriormente a sua grelha de análise; neste caso, regista cuidadosamente tudo o que lhe é dado observar. Na observação semi-estruturada ocorrem as duas situações.

A Entrevista – Pretende recolher a opinião do sujeito da investigação sobre temáticas de interesse para a própria investigação. Na entrevista ocorre uma interacção entre entrevistador e entrevistado pelo que se torna necessário observar certos aspectos comportamentais por parte do entrevistador, como o respeito pela cultura do entrevistado, associado ao direito que este tem de saber como vão ser usadas as informações que vai dar. O anonimato da entrevista, quando for esse o caso, deve ser salvaguardado à partida. Os aspectos de espaço e tempo são muito importantes, garantindo o direito à intimidade, por exemplo e não maçando o informante. Também é preciso saber lidar com os silêncio, ler a postura corporal, as reacções faciais, assegurar uma boa comunicação e estar atento a contradições.
Como na observação, também as entrevistas podem ser estruturadas, não-estruturadas ou semi-estruturadas, dependendo ou não da existência de guião. Na entrevista estruturada o investigador já tem uma ideia exacta do que quer obter, utilizando o entrevistado como confirmante das suas hipóteses e categorias pré-definidas. A obtenção dos dados pode ser feita através de perguntas abertas ou fechadas. Estas encerram em si as possibilidades de resposta (sim ou não) e implicam o mero registo para tratamento estatístico, mas aquelas exigem um tratamento a posteriori de análise de conteúdo para se estabelecer categorias que permitam uma subsequente análise dos resultados. Podem também usar-se escalas que permitem estudar gradações nas respostas às perguntas e são comummente usadas em avaliação de atitudes.

Os Questionários – Técnica que permite uma cobertura maior da população a ser inquirida. Não há uma interacção pessoal com o investigador, mas há um trabalho prévio de grande investimento no arranjo gráfico do questionário, na clareza e exactidão das perguntas que podem igualmente ser abertas ou fechadas.
Tanto os questionários como os guiões das entrevistas devem ser testados antes da sua aplicação. É necessário estabelecer procedimentos de definição de amostras que podem passar pelo estudo da totalidade da população, pelo estudo de uma amostra representativa ou pelo estudo de componentes características da população alvo.

A Análise de Conteúdo – Técnica que permite a descrição objectiva sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação aplicável aos mais variados campos: imprensa, discursos políticos, diários, respostas a perguntas abertas, estudos biblícos, etc. . Pode fazer-se perguntas do género: Com que frequência ocorrem determinados fenómenos? Quais as características ou atributos que lhes são associados? Qual a associação ou dissociação entre eles?
A análise de conteúdos pressupõe procedimentos que passam pela existência de objectivos e de um quadro referencial teórico que fundamentem e orientem as várias decisões teóricas necessárias ao desenvolvimento da análise e a existência de um corpus da análise constituído por todo o material textual que vai ser objecto de aplicação da técnica. É preciso definir categorias de análise a priori e a posteriori, definir as unidades de análise e decidir quanto aos procedimentos de quantificação.
ALGUNS ASPECTOS RELACIONADOS COM A ÉTICA DO INVESTIGADOR

A seriedade na investigação científica relaciona-se com a consideração dos seguintes aspectos, entre outros:

Não distorcer os dados para confirmar a hipótese:

A tentação de alterar os dados, sejam eles perspectivas de outros investigadores, números ou factos, para não nos desviarmos da hipótese que obstinadamente teimamos em manter, ou que facilita o nosso trabalho se a mantivermos, pode surgir a qualquer momento e a ela temos que saber reagir.

Referir as perspectivas divergentes:

Devemos resistir à tentação de omitir opiniões expressas por outros investigadores que vêm contrapor-se às nossas posições ou complicar o nosso processo de investigação.

Verificar a validade dos dados a tratar:

Ao longo de uma investigação manejamos dados não recolhidos directamente por nós, sejam estatísticos, informações de natureza diversa ou perspectivas de outros investigadores apresentadas por terceiros e é nossa obrigação verificar a sua veracidade, quando a sua importância para a investigação a tal obrigue.

Citar as fontes:

A obrigatoriedade de referir a origem dos nossos dados, fazendo citações adequadas é um dos deveres do investigador.

Não alterar ou descontextualizar as citações:

Alterar ou descontextualizar os dados é uma forma de os distorcer e deve ser uma preocupação constante do investigador.

Não citar directamente obras não consultadas:

A vaidade de exibir longas listas bibliográficas pode levar a incluir obras não consultadas directamente mas a cujo conteúdo acedemos, o que se deve evitar e seguir as normas de citação adequadas.

Independência face aos poderes:

Apesar de todos os condicionalismos sociais, culturais e económicos que limitam as práticas e os projectos de investigação, o investigador deve sempre lutar pela sua autonomia face aos poderes ideológicos, políticos, sociais e económicos do seu tempo, mantendo a integridade das suas interpretações.

Afastar as convicções pessoais:

As crenças pessoais do foro afectivo ou emocional não devem interferir no processo de investigação e devemos lutar pela máxima isenção.

In Azevedo e Azevedo, Metodologia Científica (1998) Porto: Porto Editora, pp. 18-19.

Leituras

LEITURAS
Na sequência dos nossos trabalhos nesta unidade, mais concretamente no âmbito do estudo do Tema 3, decidi resumir um artigo com o título «A Investigação-Acção», de António Joaquim Esteves, inserido (como Capítulo X), na obra coordenada por Augusto Santos Silva e José Madureira Pinto, Metodologia das Ciências Sociais, 1986, Porto: Edições Afrontamento.
O artigo em causa está compreendido entre as páginas 251 e 278 da referida obra.
No primeiro ponto, «O Silêncio dos Manuais de Metodologia», o investigador lamenta que nos manuais de métodos e técnicas de investigação social, tanto clássicos como modernos, haja uma ausência pura e simples de referências à Investigação-Acção, o mesmo acontecendo nos dicionários e enciclopédias de sociologia e ciências sociais. Citando T. S. Kuhn, «os manuais são filhos legítimos da ciência normal», o autor conclui que esta inovação metodológica não tem captado «o reconhecimento e a adopção dos promotores da metodologia oficial» devido a preconceitos positivistas.
O ponto dois, «A Investigação-Acção numa Metodologia Renovada e Pluralista» subdivide-se em «Contributos Epistemológicos à fundamentação da Investigação-Acção» e «Contributos Sociológicos à fundamentação da Investigação-Acção».
Assim, António Esteves começa por lamentar que se confunda «metodologia» com «técnica», definindo aquela como «um corpo misto de conhecimentos onde se interligam, para além das técnicas próprias de uma disciplina científica ou apropriáveis por ela, elementos teóricos e epistemológicos subjacentes quer àquelas quer à prática no seu conjunto da investigação» (p. 252).
Seguidamente, apresenta os pressupostos da Investigação-Acção, recuando a Dewey, que na sequência da sua ruptura com a visão hegeliana, desenvolveu um conceito de investigação científica onde se tornam evidentes as exigências pragmáticas e o carácter histórico das situações a investigar. Cita, entre outros, Bronfenbrenner e a sua proposta de deslocar a investigação psicológica do laboratório para o quadro da vida real e Dearborn, que afirmava que só se compreende uma certa realidade, procurando mudá-la, contrapondo à pergunta «como é que a realidade se tornou no que é?» outra «como é que a realidade se pode tornar no que ainda não é?».
Ao apresentar os traços gerais do pensamento habermasiano, começa por referir a sua revisão sobre a exigência de neutralidade da ciência e a sua vinculação do conhecimento à prática. Apresenta depois as três dimensões da teoria dos «interesses do conhecimento», as quais têm que ser vistas em interligação umas com as outras:
- Tipos de conhecimento, onde se distinguem as ciências naturais, lógico-empíricas, sociais, de tipo hermenêutico e a teoria crítica, de teor emancipatório;
- Estruturas de acção, separando a acção instrumental ou técnico-racional, a acção comunicativa ou interacção e a acção crítica, de emancipação;
- Interesses de conhecimento, contrastando o interesse técnico, o interesse comunicativo e o interesse emancipatório.
Assim, a importância dada à comunicação que os seres humanos estabelecem entre si obriga a que não baste a observação externa dos comportamentos nem a descoberta de simples regularidades entre estes, exigindo interpretação. Por outro lado, a ideia de emancipação situa-se no oposto da ideologia tecnocrática.
Habermas considera que a comunidade científica se aproxima da situação linguística ideal através de quatro condições: recusa da violência, eliminação das barreiras entre linguagem pública e privada, possibilidade de problematizar os símbolos tradicionais e igualdade de oportunidades para falar verdade, redefinindo verdade pela prática sobre o objecto a que se refere e não apenas em termos de equivaler ou não aos conhecimentos que a comunidade científica reconhece. Reinterpreta o pensamento do seu rival, Popper, e, sem negar o carácter provisório do conhecimento científico, enuncia o princípio da «verificação pragmática do saber»: são considerados empiricamente verdadeiros todos os enunciados que podem guiar um agir controlado pelo seu resultado, não tendo sido problematizados por insucessos experimentalmente tentados.
Sobre os pressupostos sociológicos, refere Gérard Fourez e a dupla ideia de «ciência como projecto» e de «verdade para a acção», assim como outras transformações evidenciadas pela sociologia da ciência, quer relativas ao processo de investigação científica (citando Charles Peirce e Wittgennstein que destacam, ao lado da indução e da dedução, um procedimento que alguns denominam ‘coligação’ e outros, ‘abdução’ ou ‘retrodução’), quer à diferenciação entre ciência e tecnologia (rejeitando a bipolarização entre o engenheiro, visto como o projectista que subestima a teoria e o cientista que seria o intelectual) e às transformações da utilização da sociologia (distinguindo a americana, mais secular e ligada aos problemas reais da europeia, mais fiel à tradição académica e algo contemplativa).
O curtíssimo ponto três, intitulado «Kurt Lewin e a Action-Research» é dedicado ao trabalho pioneiro deste estudioso, que enunciou o princípio da dupla recusa: nem acção sem investigação, nem investigação sem acção, o que se traduz no famoso triângulo, cujos lados são: acção, pesquisa e treinamento, sem que qualquer um dos lados seja beneficiado.
Por fim, o ponto quatro, subdividido em vários sub-pontos, apresenta as modalidades e procedimentos da investigação-acção, os objectivos e processos e as fases e planeamentos.
Após a enunciação dos campos da realidade onde foram ensaiados esforços de investigação-acção (serviço social, educação, comunicação, desenvolvimento rural, saúde, movimentos sociais, etc.), distingue-se a investigação-para-a-acção da investigação-na/pela-acção, considerando-se esta, a versão forte e aquela, a versão fraca, a qual se distingue basicamente pela circunstância de «ser desencadeada por alguém que tem necessidade de informações/conhecimento de uma situação/problema a fim de agir sobre ela e dar-lhe solução». Segundo o autor, neste tipo de investigação corre-se o risco de limitações na autonomia do trabalho científico devido aos interesses do encomendador, o que tem que ser acautelado.
Os traços distintivos deste modelo são:
- Separação total do processo de investigação em relação ao eventual curso de acção sobre o objecto/meio de pesquisa;
- Detenção em exclusivo por parte do investigador (individual ou colectivo) da capacidade de recolher e tratar a informação;
- Exclusão do objecto/meio social de pesquisa de qualquer processo tendente a um melhor conhecimento de si como unidade de investigação e sua redução a um estatuto de ‘reservatório de informações’ numa relação que G. le Boterf qualificou de quase-colonial.
Assim, parte-se de uma situação-problema, encomendada por uma entidade; o(s) investigador(es) recolhe(m) e trata(m) a informação em função de propostas para uma intervenção posterior (relatório entregue ao cliente).
A outra modalidade, a investigação-na/pela-acção, também denominada investigação-acção participativa ou experimentação social, é a que melhor corresponde à lógica em causa. Antes de a caracterizar, o autor distingue-a da investigação-participante (apesar de sublinhar que existem muitas semelhanças) pelo facto de esta utilizar uma técnica compósita em que pretende evitar o contacto com o terreno. Refere, porém, autores como Stavenhagen que não as separam e até propõe uma designação abrangente: «observação militante».
Quantos às características da investigação-acção, o autor refere: o seu carácter complexo e o facto de ter natureza colectiva. Ao citar as novas regras que impõe, apresenta: o modelo de pesquisa e desenvolvimento (que é o que mais defende e promove os direitos de prioridade da investigação teórica), o modelo de interacção social (muito usado no campo da medicina e da agricultura) e o modelo de resolução de problemas (o que mais reclama a implicação dos destinatários das inovações e a integração dos seus feedbacks).
Seguidamente, são apresentadas as fases e planeamento da Investigação-na/pela-Acção e o autor sublinha que não é fácil uma ordenação sequencial, mas seguindo autores como Thiollent, normalmente aceita-se que há uma fase exploratória, uma fase intermédia e uma fase final, variando muito a sequência das actividades de cada uma.
Assim, numa primeira fase, mais ou menos alargada no tempo, destacam-se vários tipos de actividade, umas relacionadas com a construção de uma equipa de trabalho, outras, com actividades concretas de conhecimento e acção:
a) Construir uma estrutura colectiva de investigação e acção
b) Entrar em contacto com a população
c) Elaborar diagnóstico preliminar
d) Preparar metodologia de participação.
Na segunda fase, sem rigidez de ordenação, a acção polariza-se em torno de:
a) Elaboração do plano de intervenção
b) Execução
c) Acompanhamento
d) Avaliação
e) Reformulação.
Por fim, a terceira fase apresenta-se como a mais complexa. Se na fase intermédia, o problema principal residia na dificuldade em ordenar as operações, na fase final é a própria definição das operações que constitui o problema. Não se trata apenas de elaborar um relatório final que descreva pormenorizadamente o processo de investigação e a transformação levada a cabo, mas de uma «reconstrução sociológica das virtudes e constrangimentos que se revelaram e ultrapassaram na transformação de uma dada situação» (p. 277).
Síntese Conclusiva
Tal como é comum na Investigação Qualitativa em geral, também na Investigação Acção, a subjectividade não é encarada como um ruído e as diferentes fases do processo de investigação não se desenvolvem de forma linear, mas interactivamente, havendo em cada momento uma dialéctica entre teorias e práticas, culminando na avaliação e apresentação dos resultados à comunidade. Trata-se de uma Investigação Aplicada.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Auto-Avaliação

Agora que esta caminhada se aproxima do fim, eis a minha apreciação do trabalho desenvolvido ao longo de todo o semestre:


Após três meses e meio de trabalho colaborativo nesta unidade curricular, intitulada Investigação Educacional, é extremamente difícil verbalizar o que sinto, pois a impressão que tenho é de que aprendi tanto, foram abertas tantas perspectivas, ficou ainda tanto por trilhar…que a minha primeira tentação era para começar tudo de novo! O que quero dizer é que esta unidade merecia, não um semestre, mas todo um ano lectivo e em exclusividade, pois é a unidade que nos ensina as técnicas indispensáveis à elaboração da nossa tese. Portanto, tudo o que eu possa dizer que adquiri, ficará sempre aquém do que gostaria! Tantas leituras tive que deixar a meio, por falta de tempo, tantos trabalhos gostaria de ter realizado para o portefólio e tantos posts ficaram por responder!
Mas, na minha óptica esta sensação não é negativa, antes pelo contrário! Esta vontade de continuar a percorrer caminhos ligados à Investigação Educacional, no fundo é bastante positiva e talvez até seja isso o que se deve esperar das cadeiras de um mestrado! No fundo, esta unidade apenas levanta a ponta do véu e aguça o sentido de investigação e, depois, cada um de nós, com as ferramentas adquiridas, irá tentar fazer o seu melhor, nunca esquecendo o que aqui aflorou.
Um dos aspectos mais importantes que aqui gostaria de registar prende-se com a importância dada ao trabalho verdadeiramente colaborativo e com a capacidade revelada pelas duas docentes – Professora Doutora Alda Pereira e Professora Doutora Luísa Aires – para nos orientarem e exercerem o seu papel de guias discretas, mas sempre a motivarem o grupo para mais e mais.
As discussões nos fóruns foram participadíssimas e de muita qualidade, até porque eram antecedidas, em cada temática, de pesquisas quase sempre em grupo, culminando em trabalhos que serviam de pretexto para os debates.
No âmbito da discussão do Contrato de Aprendizagem, foi lançado o desafio de se decidir qual o formato que a turma queria definir para a apresentação do Portefólio, instrumento de avaliação muito importante. Após a superação de alguns medos mais ou menos tecnofóbicos, foi consensual a escolha do blogue e cada estudante criou o seu com a ajuda das docentes e dos elementos da nossa comunidade virtual mais dados às novas tecnologias. Ficou decidido que a apresentação dos blogues seria feita através de sessões online síncronas, de cerca de 10 minutos cada, logo a seguir ao fim das actividades lectivas.
Seguidamente, formaram-se os quatro grupos de cinco elementos cada (a turma era constituída por vinte estudantes) que iriam trabalhar ao longo do semestre, cada um com a designação de uma cor: o grupo azul, o grupo verde (onde me incluí), o grupo amarelo e o grupo laranja.
O primeiro tema em estudo foi de carácter globalizante - O Processo de, Investigação - e logo aí, a turma mostrou a sua garra.
O desafio lançado pela docente Alda Pereira (as nossas Professoras alternaram sempre e cada tarefa era coordenada por apenas uma) foi no sentido de, a partir da análise de uma tese disponibilizada (As TIC no Jardim de Infância: contributos do Blogue para a Emergência da Leitura e da Escrita, de Adília Lopes), cada grupo elaborar um guião que contemplasse as etapas do processo de investigação, o qual permitisse reflectir sobre as competências exigidas ao investigador nos diferentes momentos da investigação.
A partir de um conjunto de questões pertinentes propostas pelas docentes, os grupos desconstruíram a tese e, a partir dos guiões produzidos, gerou-se um debate livre e, durante uma semana tivemos a discussão foi intensa, como os posts comprovam, o que se saldou num verdadeiro clima de aprendizagem colaborativa.
Penso não estar a exagerar se disser que considero a minha participação neste trabalho bastante positiva, embora ainda pouco consciente das regras do debate em comunidades virtuais. Acho que houve momentos em que tendi a quase monopolizar o debate, embora os colegas tenham referido que aprenderam bastante, mesmo sem intervirem muito. Até acredito, pois noutros temas em que me sentia menos à-vontade aconteceu-me o mesmo e sei que há investigadores que chamam a atenção para os lurkers: pessoas que observam e aprendem com as intervenções dos outros. Podemos mesmo considerar que é uma das características da aprendizagem colaborativa em comunidades virtuais.
O nosso segundo tema foi dedicado ao Processo de Recolha de Dados e realizou-se em duas fases.
Numa primeira fase, os grupos tiveram uma semana para, novamente a partir da desconstrução de uma tese (desta vez, intitulada As TIC e o Ensino do Inglês: Atitudes dos Professores, da autoria de Conceição Brito) e da exploração de Bibliografia afim, criarem um esquema gráfico exemplificativo do planeamento de um Questionário a ser usado como ferramenta heurística auxiliar de um investigador.
Os questionários são instrumentos para recolha de dados, muito usados em investigações quantitativas, nomeadamente em estudos de opinião. São também usados em estudos mistos onde se utilizam vários métodos complementares. São constituídos por um conjunto de itens através dos quais se procura inventariar os atributos de uma dada população ou, até, analisar relações entre atributos dessa mesma população. Exigem um planeamento rigoroso sobre a informação a obter, sobre como proceder para a obter e como a analisar posteriormente.
Após a publicação do trabalho de cada grupo, seguiu-se uma semana de intenso e profícuo debate, onde participei medianamente e com uma qualidade que considero de nível bastante satisfatório. Porém, o trabalho produzido pelo nosso grupo, apesar de reflectir uma boa apropriação da problemática relativa ao questionário como método de recolha de dados, não obedeceu totalmente ao que era pedido, pois não criámos um esquema gráfico. A nossa preocupação em explorar a temática e o facto de nessa semana os elementos do grupo estarem demasiado pressionados com avaliações dos seus alunos, levaram-nos a praticamente abstrair do formato que nos era pedido e elaborámos uma espécie de guião, em vez de um esquema gráfico. No entanto, como guião, o trabalho que criámos estava bastante completo e continha dados que permitem perceber os pontos fortes e fracos deste instrumento de recolha, a sua relação com os objectivos de uma investigação, os passos essenciais a dar e os cuidados a ter na sua construção e os princípios gerais que devem presidir à formulação dos itens. Durante o debate, o nosso trabalho também foi um elemento de dinamização do mesmo, apesar de ter um formato diferente.
A segunda fase do estudo do Processo da Recolha de Dados foi dedicado à Entrevista e desenrolou-se em torno da análise de outra tese, desta vez intitulada Processos de Liderança e Desenvolvimento Curricular no 1º Ciclo do Ensino Básico – um Estudo de Caso, da autoria de Eva Filipa Santos. Durante uma semana, analisámos a tese e durante a semana seguinte, como habitualmente, debatemos em grupo alargado os trabalhos de cada grupo-equipa, o que se traduziu, uma vez mais, numa intensa discussão em que todos aprendemos mais, sempre sob o olhar discreto, mas atento da docente Luísa Aires.
A entrevista é uma das técnicas mais comuns e importantes no estudo da acção educativa. Adopta uma grande variedade de usos e de formas que vão da mais comum (a entrevista individual) à entrevista de grupo, ou mesmo às entrevistas mediatizadas pelo telefone ou computador. A sua duração pode limitar-se a uns breves minutos ou a longos dias, como é a caso da entrevista nas histórias de vida.
Existem três características básicas que podem diferenciar as entrevistas: entrevistas desenvolvidas entre duas pessoas ou com um grupo de pessoas; entrevistas que abarcam um amplo espectro de temas (ex.: biográficas) ou as que incidem sobre um só tema (monotemáticas); entrevistas que se diferenciam consoante o maior ou menor grau de pré-determinação ou de estruturação das questões abordadas - entrevista em profundidade não-directiva, entrevista semi-estruturada e entrevista estruturada e estandardizada.
A nossa tarefa consistia em elaborar, em grupo, uma matriz exemplificativa do guião de uma entrevista semi-estruturada que possa ser usada como ferramenta auxiliar do investigador. Na semana seguinte, houve debate no fórum e avalio a minha participação como bastante empenhada e satisfatória, tal como classifico o guião criado pelo meu grupo como muito positivo.
A semana seguinte foi dedicada ao polémico tema da Investigação-Acção em Educação, mas desta vez, sob a forma de estudo individual, em que cada um procurou reflectir sobre a relação entre a investigação-acção e a posição pessoal do investigador, as vantagens e desvantagens deste método e os seus passos determinantes. Foi-nos sugerida, como sempre, alguma bibliografia e a análise de uma tese, em que o autor, Arménio Fernandes, no âmbito do Projecto SER MAIS, usou o método em causa nas suas investigações sobre a Educação para a Sexualidade Online. Paralelamente, foi aberto um espaço de debate livre, o qual foi muito concorrido e revelou muita qualidade.
A minha auto-avaliação sobre este tema situa-se num nível bastante satisfatório, não só pelas participações no fórum, como pelas leituras que realizei e que são visíveis no blogue. Posso mesmo afirmar que me sinto como peixe na água, quando se trata de metodologias relacionadas com o paradigma qualitativo. Penso que, em educação, devem predominar as metodologias qualitativas, sendo o quantitativo também importante, mas sempre em função daquele paradigma. Confesso mesmo que tenho dificuldades no campo dos métodos quantitativos, como se verificou com a tarefa seguinte.
Seguidamente, entrámos no Tema 4, Análise e Tratamento de Dados, para mim, o tema mais complexo. As tarefas em torno desta temática foram organizadas em quatro fases: fase de estudo individual; fase dedicada à resolução de um problema relacionado com os métodos quantitativos; fase de resolução de um problema de carácter qualitativo e debate no fórum.
Como já referi, tudo o que se relacione com metodologias quantitativas torna-se mais difícil para mim, devido à minha formação-base. Por isso, após a fase de estudo, a resolução de um problema a partir de uma das teses já analisadas, embora noutra perspectiva (a de Conceição Brito), deixou-me completamente confusa, pois tive que estudar estatística pela primeira vez na minha vida. O desafio foi gratificante, mas, mais uma vez, os constrangimentos de tempo deixaram-me com a tal sensação de que falava no início desta reflexão: apenas aflorei aquilo que pretendo aprofundar mais tarde e aqui tenho que sublinhar o papel da Professora Alda pela força que nos deu e pelo modo como soube motivar todo o grupo.
O problema colocado girava essencialmente em torno da adequação de tipos de testes estatísticos a situações concretas apresentadas pela docente a partir da tese citada. Conceitos relacionados com os vários tipos de escala, níveis de significância, estatística inferencial e testes paramétricos e não paramétricos, enfim, uma série de conhecimentos adquiridos para mais tarde aprofundar.
A auto-avaliação que faço do meu desempenho quanto a esta temática vai no sentido do satisfaz pouco. Apesar de algum empenhamento, reconheço que o que produzi para esta actividade ficou aquém do esperado.
Na fase de resolução do problema de índole qualitativa, desta vez a cargo da Professora Luísa Aires, o clima voltou a animar e penso que o meu desempenho voltou a subir para o nível habitual. Tivemos que responder a uma série de questões também acerca de uma das teses já analisadas, a de Eva Santos, mas onde se pretendia problematizar a relação entre os objectivos de uma investigação e os métodos de recolha e tratamento de dados, mais concretamente, a análise de conteúdo, em investigação qualitativa. Fomos confrontados com várias metodologias de tratamento de dados e com programas informáticos afins.
A semana do debate foi extremamente esclarecedora e, mais uma vez, a turma, sob a excelente coordenação das duas docentes, mostrou como o trabalho colaborativo pode ser altamente gratificante, onde a interacção e a troca de saberes, a construção e desconstrução de conhecimentos pode conduzir a um crescimento conjunto deveras salutar. As participações no debate, estudadas em termos quantitativos talvez não revelem o ambiente gerado, sendo necessário um olhar qualitativo para se inferir o clima que se criou. No meu caso, as poucas intervenções não são sinal de menor aproveitamento e considero que também nesta tarefa a minha auto-avaliação pode situar-se no nível do bastante satisfatório.
A última tarefa desta unidade curricular correspondeu ao Tema 5 e abarcou Questões Éticas na Investigação Educacional, decorrendo entre os dias 17 e 24 de Junho, sob a modalidade de Discussão Livre, moderada pelos próprios estudantes.
Como era de esperar, o grupo terminou com chave de ouro, tal foi a riqueza do debate. Mais uma vez, como vem sendo habitual neste final de ano lectivo, devido ao cansaço e à coincidência com a fase pior das nossa profissões (avaliações finais e exames dos nossos alunos), o tempo para diversificar as leituras é escasso e o número de participações também não se compara ao dos fóruns iniciais, mas a qualidade manteve-se e a avaliação que faço desta tarefa é deveras positiva. Auto-avalio a minha participação no nível bom.
Para concluir, gostaria de, mais uma vez, sublinhar o perfil das nossas docentes que se revelou adequado a este novo paradigma de educação online, o qual requer qualidades que não são fáceis de encontrar na docência do ensino superior. De destacar a variedade de estratégias utilizadas e a preocupação em interferirem discretamente na hora certa e com as palavras certas, dando sempre um feedback final em cada unidade, alertando para os aspectos menos claros e abrindo novas pistas. Outro aspecto que quero destacar prende-se com a preocupação em fornecerem-nos as ferramentas teóricas e práticas para a elaboração das nossas teses, independentemente dos temas que eventualmente cada um pretenda vir a desenvolver.
Apesar da diversidade de estilos, das personalidades diferentes e das formações distintas, a turma, graças à e-moderação das docentes, atingiu um nível de satisfação e de interacções bastante bom, garantindo que nenhuma ponta da rede ficasse solta.

Análise Qualitativa de Dados e Informática

Eis alguns apontamentos sobre software e análise qualitativa de dados, com base na tese de doutoramento da Professora Luísa Aires («Vozes sobre a Televisão no âmbito da Educação de Pessoas Adultas: uma Abordagem Sociocultural», 2000: 442-444):

ANÁLISE QUALITATIVA DE DADOS E FERRAMENTAS INFORMÁTICAS

A análise e interpretação de informação qualitativa é um trabalho duro e complexo devido à grande quantidade, heterogeneidade e abertura da informação com que se trabalha e à carência de procedimentos precisos e concretos. Os programas informáticos (AQUAD, ATLAS-ti, ETHNO, ETHNOGRAPH, HyperQual, HyperResearch, NUDIST, QUALPRO…) podem agilizar o processo, mas não podem interpretar; a maior parte do trabalho é manual.
A selecção do software para análise de dados qualitativos deve ter em conta três aspectos (Colás, 1998):
- Os usos e conhecimentos informáticos do utilizador;
- As características do projecto de investigação;
- O tipo de análise que se pretende realizar.
Existem dois tipos básicos de software com aplicações nas ciências sociais:
- Programas Tipo I – recuperadores de texto (Ex: The Ethnograph);
- Programas Tipo II – programas para a construção de uma teoria (Ex: ATLAS-ti e NUD.IST).
O NUD.IST (Non-numerical Unstructed Data Indexing Searching and Theorizing) foi desenvolvido por Thomas Richardson e Lyn Richardson e está estruturado para manejar dados não-numéricos na análise qualitativa. A sua utilização facilita a análise de documentos e de categorias, o levantamento de questões e a emergência de teorias.
Algumas das funções mais utilizadas do NUD.IST:
- Document Explorer (Codificação)
- Node Explorer (Afinação do sistema de categorias)
- Index Search (Fase exploratória de textos: afinação dos sistemas de categorias e de codificação dos textos e levantamento de hipóteses de trabalho)
- Project (Quadros com os resultados das codificações que facilitam a comparação intergrupos).