domingo, 13 de julho de 2008

A MINHA FICHA DE LEITURA

TÍTULO: PAIS-PROFESSORES: REFLEXÕES EM TORNO DE UM ESTRANHO OBJECTO DE ESTUDO
AUTOR: PEDRO SILVA
REVISTA: INTERACÇÕES, nº 2, PP. 268-290 (2006)
SITE: http://www.eses.pt/interaccoes


Pedro Silva, o autor do estudo que escolhi como objecto da minha Ficha de Leitura, é Professor na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Leiria, desde 1985, tendo a Sociologia como formação-base (ISCTE). As suas investigações têm incidido na área da relação escola-família e doutorou-se em 2001, com uma tese em Sociologia da Educação intitulada Interface Escola-Família, Um Olhar Sociológico – Um estudo etnográfico no 1º ciclo do ensino básico, onde analisa a participação dos pais na escola sob várias perspectivas, mas sempre encarada como um fenómeno sociológico, uma relação entre culturas, uma relação de poder que ultrapassa as questões meramente escolares e se prende com o papel da sociedade civil na sua globalidade.
O estudo que seleccionei atraiu-me pelo facto de, neste território da relação escola-comunidade, os pais-professores serem vistos com alguma desconfiança, quer por parte de colegas, quer por parte de outros pais, o que contrasta com o que o bom senso aconselharia: os pais-professores seriam, teoricamente, os agentes privilegiados para estabelecer a ponte entre dois mundos que só têm a ganhar com um entendimento e uma colaboração mútua.
Outro aspecto que me seduziu foi o facto de o investigador optar pelo método etnográfico, ainda pouco dignificado entre nós, não só por ser mais moroso e mais caro, como também por ainda estarmos muito impregnados na tradição positivista. Penso que as metodologias ligadas ao paradigma qualitativo são as que melhor permitem aprofundar e compreender os fenómenos sociais e há até investigadores que vão mais longe e propõem a chamada Investigação Artística como nova forma de pesquisa educativa.(1)

Na primeira parte, com o título Pais-Professores: Quem são? Para onde vão?, o investigador começa por distinguir o conceito de pais-professores, do de professores-pais, sendo estes, todos os professores que são pais e aqueles, os professores que, sendo pais, se envolvem no movimento associativo parental. Assim, «todo o pai-professor é professor-pai, mas o inverso não é necessariamente verdadeiro» (p. 270).
Seguidamente, é-nos revelado o modo como a investigação nasceu e foi evoluindo desde o estudo etnográfico inicial (2) e, como é normal em estudos de dominante qualitativa, o autor deixa bem claro que surgiram imprevistos que se impuseram e o obrigaram a aprofundar certos aspectos, como é o caso da liderança das associações de pais. A partir daqui, surgiu toda a problemática, em torno de questões pertinentes que serviram de base para as novas investigações:
. Estaríamos perante um fenómeno isolado, uma coincidência ou não?
. Quem são, sociologicamente, estes pais-professores e que papel desempenham na comunidade de onde são originários?
. Como se tornaram dirigentes do movimento associativo parental local?
. Que papel desempenham na interacção entre os restantes pais e a escola?
. Como são vistos pelos outros parceiros da comunidade? Serão inteiramente confiáveis?
. Constituirão uma espécie de agentes duplos? Para quem: para os pais, para os professores ou para ambos?
. Ou, pelo contrário, a condição híbrida do seu papel levá-los-á a desempenhar uma função de ponte privilegiada entre a cultura escolar e a cultura local?
A primeira dificuldade a superar prendeu-se com a escassa bibliografia e a inexistência de dados extensivos, de mera descrição estatística (nem da parte do Ministério da Educação, nem da CONFAP: Confederação Nacional das Associações de Pais). Através de entrevistas exploratórias (3), constatou-se que o número de pais-professores estava em ascensão e que, portanto, as impressões iniciais não se deviam a um mero acaso.
Uma breve revisão da literatura permite entender as razões históricas e sociológicas da ascensão do movimento associativo de pais e o autor, citando Nicholas Beattie (1985)(4) , relaciona o fenómeno com a crise de legitimação do estado e aponta dois factores essenciais: a escolarização de massas secundária e um regime político democrático. Relativamente ao nosso país, o primeiro aspecto, situa-se nos anos 60 e o segundo, após o Vinte e Cinco de Abril (fase do PREC: os pais-professores eram uma raridade; fase da normalização democrática: encara-se a hipótese de haver pais nos órgãos da escola; anos 90: visibilidade social dos pais-professores). Assim, passou-se «em cerca de duas décadas, de uma situação em que o ‘normal’ era a inexistência de pais-professores para uma em que o ‘estranho’ seria essa mesma inexistência» (p. 273).
Sobre a relação entre estes pais e as respectivas comunidades, Pedro Silva sublinha que estamos perante comunidades populares, onde os pais-professores facilmente sobressaem, porque conhecem por dentro os problemas da escola, usam com mestria o código sócio-linguístico dominante, conhecem a legislação pertinente e têm uma rede de relações sociais que podem convocar e publicamente disponibilizar.
A questão mais significativa desta parte relaciona-se com os padrões de interacção e correspondência entre graus de ensino, o que pode conduzir a maior cumplicidade ou maior autonomia, consoante essa correspondência é positiva ou negativa. O autor, nesta primeira parte (5) recolhe dados suficientes para colocar a hipótese que os pais-professores que não pertencem ao mesmo grau de ensino, são mais autónomos, havendo também outros factores que influenciam a sua postura (mais reivindicativa ou não), como o género, a geração ou mesmo o facto de estarem ligados à monodocência ou à pluridocência.
A segunda parte do estudo (6), intitulada Pais-Professores: Os arautos da reconfiguração da relação escola-família, procura «mostrar como os pais se revelam constituir um grupo privilegiado para desempenhar o papel de pais-parceiros, aqueles que melhor interpretam a atitude pró-activa dos encarregados de educação no processo de reconfiguração da relação escola-família» (p.268). Conceitos como envolvimento e participação são convocados para aprofundar a dupla díade, ou seja, o natural conflito entre os interesses individuais e os colectivos. O autor tem a coragem de questionar a possibilidade ou até a legitimidade de alguém «ser pai» «às Segundas, Quartas e Sextas e ser pai-professor…às Terças, Quintas e Sábados?» (p. 279).
Um dos aspectos mais interessantes deste estudo prende-se com a relação que Pedro Silva estabelece com as mudanças actuais e, baseando-se em Castells (7), associa o capitalismo pós-fordista a um regresso à meritocracia, relacionando a mercadorização da escola com o aumento das desigualdades, o que interessa às novas classes médias e às novas formas de cidadania (8). É neste contexto que o autor defende a tese de que, apesar de tudo (9), os pais-professores são os agentes privilegiados para promoverem a reconfiguração da relação escola-meio, pois funcionam como os pais-parceiros por excelência.
Para concluir, gostaria de reforçar o que penso ter deixado implícito ao longo deste meu trabalho: este estudo de Pedro Silva, por se inserir num conjunto de outros que o autor tem desenvolvido sobre as mesmas temáticas e por deixar em aberto uma série de pistas para investigações futuras no âmbito de um tema ainda tão pouco estudado, tanto no nosso país, como no estrangeiro, permitiu-me reflectir sobre a relação escola-família numa base completamente diferente daquela que até aqui tinha. Na minha carreira profissional de 27 anos, penso que não houve nenhum ano lectivo em que não exercesse o cargo de directora de turma e tinha um conhecimento intuitivo e algo impressionista sobre a complexa relação entre os pais e a escola, em geral, e os pais-professores (10), em particular, o que, curiosamente ia exactamente no sentido de uma relação algo armadilhada, complexa e até talvez na linha daquilo a que Marx apelidou de luta de classes. Apesar de este estudo também confirmar algumas dessas minhas ideias, permitiu-me colocar a problemática a um nível mais global e poliédrico e, essencialmente, incutiu-me a vontade de investigar este campo, ainda tão pouco aprofundado e até politicamente incorrecto.


1. Carol A. Mullen (Universidade Estatal da Florida), Patrick Diamond (Universidade de Toronto) e Roslyn Arnold (Universidade de Sydney), entre outros, são investigadores que usam formas alternativas de investigação, como o Inquérito de Base Artística, definido como «uma agregação de métodos…cujo objectivo é a recolha de…sistemas intactos de crenças e de estados psíquicos interiores e interpessoais complexos» (Lincoln, 1990: 508, citado por Diamonde e Mullen, 2004: 372, Lisboa: Instituto Piaget).

2. Nos anos 90 do século XX, Pedro Silva desenvolveu uma investigação em três escolas públicas do 1º Ciclo do Ensino Básico, no centro do país, no eixo Leiria-Marinha Grande, com o objectivo de entender a clivagem sociológica na relação escola-família (em termos de classe e de género).

3. Destacando-se a entrevista a um ex-Presidente da CONFAP.

4. Baseado em Habermas, este investigador é quem melhor tem estudado estes fenómenos ligados à participação parental.

5. Aquela em que a investigação empírica foi mais exaustiva, embora ainda a necessitar de muita investigação.

6. Considerada, pelo investigador, com carácter meramente exploratório.


7. Citado por Stoer e Magalhães (2005:32).

8. Da cidadania atribuída à cidadania reclamada/direito á diferença/direito a ter voz.

9. Ao serem os que melhor conhecem o meio escolar por dentro, conhecem também os seus pontos fracos e poderão tornar-se numa espécie de cavalo de Tróia!

10. O investigador convoca a tipologia que divide os pais em dois grandes grupos: os indiferentes ou resistentes e os responsáveis, os quais, por sua vez, se subdividem em pais-colaboradores (os que se limitam a responder às solicitações da escola) e os pais-parceiros (os que têm uma atitude pró-activa).

domingo, 6 de julho de 2008

Procedimentos Metodológicos do Investigador em Educação

Como já deixei transparecer em várias partes deste blogue, um dos contributos desta Unidade Curricular foi a aquisição do hábito de me preocupar com o modo como cada estudo nasceu, algo a que antes não ligava absolutamente nada. Diria mesmo que passei de um extremo ao outro e agora a minha primeira preocupação, quando consulto uma obra de cariz científico é precisamente a de tentar perceber a sua genealogia e até já me dou ao luxo de criticar alguns estudos, tidos como estudos de referência, mas que, por vezes não apresentam consistência metodológica ou não denunciam a preocupação de comunicar ao leitor os passos dados para chegar ao conhecimento.
Assim, tentando ser útil aos colegas interessados (até ao nível da revisão da literatura dos temas das vossas Teses, quem sabe?!), vou aqui colocar uma lista de algumas obras consultadas, onde podem encontrar um leque variado de descrições metodológicas (além de poderem também beneficiar dos conteúdos específicos, religando saberes adquiridos nas várias unidades deste mestrado ou não):

- Afonso, Natércio Augusto (1995) A Imagem Pública da Escola, Inquérito à População sobre o Sistema Educativo. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional – O investigador descreve a metodologia utilizada no primeiro inquérito, sob a forma de sondagem (efectuada por uma empresa especializada), à população portuguesa com o propósito de identificar e caracterizar a evolução de atitudes do público face ao sistema de ensino, algo que ainda não faz parte dos nossos hábitos culturais, talvez devido ao nosso historial de elevadas taxas de analfabetismo e da fraca tradição de opinião pública.

- Costa, Maria Emília e Vale, Dulce (1998) A Violência nas Escolas. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional – Este estudo sobre a violência descreve todos os procedimentos levados a cabo durante uma profunda investigação que cruzou metodologias quantitaivas e qualitativas. Uma das autoras é nossa conhecida (co-autora de Abordagem Sistémica do Conflito).

- Cunha, António Camilo (2007) Formação de Professores, a Investigação por Questionário e Entrevista, um exemplo prático. Vila Nova de Famalicão: Editorial Magnólia – Relata o percurso da investigação realizada no âmbito da formação de professores (Educação Físisca), centrado no problema das representações de professores e de formadores.

- Filipe, António (2008) Comunidades Online de Sucesso. Coimbra: Minerva – Este especialista em Metodologias de Elearning e Comunidades Colaborativas Online descreve como realizou este Estudo de Caso, no contexto de um curso de formação inicial na Escola Superior de Educação de Coimbra, numa turma com 39 alunos. Desde a Fase Exploratória até à da Redacção do Relatório, o autor passa em revista todos os passos seguidos e ferramentas informáticas utilizadas.

- Morais, Ana Maria et al (1993) Estudos Vários sobre a Influência da Socialização Primária e Secundária. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian – Trata-se de um conjunto de vários estudos empíricos realizados em escolas da zona da Grande Lisboa que mostram a relação entre a teoria sociológica de Bernstein e a Investigação-Acção. Cada estudo descreve a metodologia utilizada, onde os métodos quantitativos não foram deixados de parte.

- Spodek, Bernard, coordenação de (2002) Manual de Investigação em Educação de Infância. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian – Esta obra gigantesca, traduzida por Ana Chaves, sob a revisão científica de Teresa Vasconcelos, reúne dezenas de artigos de investigação levada a cabo por especialistas de renome internacional e mostra a enorme diversidade da investigação qualitativa (incluindo instrumentos estandardizados e não estandardizados), ao mesmo tempo que aborda temáticas como a relação entre a Investigação e a Política, o Multiculturalismo, o Modelo Vygotskiano, etc..

- Teixeira, João Tiago (2004) Mudança de Concepções dos Professores. Lisboa: Instituto Piaget – Descreve ao pormenor o planeamento do estudo com particular incidência no processo de construção do seu instrumento de trabalho (o Inquérito precedido de Estudos-Piloto: Entrevista e Pré-Questionário) e nos procedimentos de validação (avaliação da consistência interna e validade externa do Questionário). O estudo desenvolve-se em torno de modelos conceptuais implícitos nas atitudes dos professores de disciplinas várias (o autor é de Filosofia, mas aborda questões também relativas às Ciências Naturais), dividindo-os em Concepções Psicopedagógicas Tradicionais ou Concepções Psicopedagógicas Construtivistas-Relacionais.

- Veiga, Feliciano H. (1995) Transgressão e Auto-Conceito dos Jovens na Escola. Lisboa: Fim de Século – Para além do interesse da temática, destaco a descrição que o autor faz da metodologia utilizada, mais concretamente nos capítulos V e VI, onde caracteriza a população-alvo, refere como seleccionou amostra e os procedimentos, desde os pedidos de autorização, ao programa da computador usado, construção da escala, fidelidade dos resultados e análise estatística dos mesmos, sua discussão e interpretação e conclusões e sugestões para futuros estudos.

Esta foi a Bibliografia consultada informalmente (para além de dezenas de Teses, sobre os temas mais variados, que se encontram ao nosso dispor na Biblioteca da Universidade Aberta)