quinta-feira, 26 de junho de 2008

Leituras

LEITURAS
Na sequência dos nossos trabalhos nesta unidade, mais concretamente no âmbito do estudo do Tema 3, decidi resumir um artigo com o título «A Investigação-Acção», de António Joaquim Esteves, inserido (como Capítulo X), na obra coordenada por Augusto Santos Silva e José Madureira Pinto, Metodologia das Ciências Sociais, 1986, Porto: Edições Afrontamento.
O artigo em causa está compreendido entre as páginas 251 e 278 da referida obra.
No primeiro ponto, «O Silêncio dos Manuais de Metodologia», o investigador lamenta que nos manuais de métodos e técnicas de investigação social, tanto clássicos como modernos, haja uma ausência pura e simples de referências à Investigação-Acção, o mesmo acontecendo nos dicionários e enciclopédias de sociologia e ciências sociais. Citando T. S. Kuhn, «os manuais são filhos legítimos da ciência normal», o autor conclui que esta inovação metodológica não tem captado «o reconhecimento e a adopção dos promotores da metodologia oficial» devido a preconceitos positivistas.
O ponto dois, «A Investigação-Acção numa Metodologia Renovada e Pluralista» subdivide-se em «Contributos Epistemológicos à fundamentação da Investigação-Acção» e «Contributos Sociológicos à fundamentação da Investigação-Acção».
Assim, António Esteves começa por lamentar que se confunda «metodologia» com «técnica», definindo aquela como «um corpo misto de conhecimentos onde se interligam, para além das técnicas próprias de uma disciplina científica ou apropriáveis por ela, elementos teóricos e epistemológicos subjacentes quer àquelas quer à prática no seu conjunto da investigação» (p. 252).
Seguidamente, apresenta os pressupostos da Investigação-Acção, recuando a Dewey, que na sequência da sua ruptura com a visão hegeliana, desenvolveu um conceito de investigação científica onde se tornam evidentes as exigências pragmáticas e o carácter histórico das situações a investigar. Cita, entre outros, Bronfenbrenner e a sua proposta de deslocar a investigação psicológica do laboratório para o quadro da vida real e Dearborn, que afirmava que só se compreende uma certa realidade, procurando mudá-la, contrapondo à pergunta «como é que a realidade se tornou no que é?» outra «como é que a realidade se pode tornar no que ainda não é?».
Ao apresentar os traços gerais do pensamento habermasiano, começa por referir a sua revisão sobre a exigência de neutralidade da ciência e a sua vinculação do conhecimento à prática. Apresenta depois as três dimensões da teoria dos «interesses do conhecimento», as quais têm que ser vistas em interligação umas com as outras:
- Tipos de conhecimento, onde se distinguem as ciências naturais, lógico-empíricas, sociais, de tipo hermenêutico e a teoria crítica, de teor emancipatório;
- Estruturas de acção, separando a acção instrumental ou técnico-racional, a acção comunicativa ou interacção e a acção crítica, de emancipação;
- Interesses de conhecimento, contrastando o interesse técnico, o interesse comunicativo e o interesse emancipatório.
Assim, a importância dada à comunicação que os seres humanos estabelecem entre si obriga a que não baste a observação externa dos comportamentos nem a descoberta de simples regularidades entre estes, exigindo interpretação. Por outro lado, a ideia de emancipação situa-se no oposto da ideologia tecnocrática.
Habermas considera que a comunidade científica se aproxima da situação linguística ideal através de quatro condições: recusa da violência, eliminação das barreiras entre linguagem pública e privada, possibilidade de problematizar os símbolos tradicionais e igualdade de oportunidades para falar verdade, redefinindo verdade pela prática sobre o objecto a que se refere e não apenas em termos de equivaler ou não aos conhecimentos que a comunidade científica reconhece. Reinterpreta o pensamento do seu rival, Popper, e, sem negar o carácter provisório do conhecimento científico, enuncia o princípio da «verificação pragmática do saber»: são considerados empiricamente verdadeiros todos os enunciados que podem guiar um agir controlado pelo seu resultado, não tendo sido problematizados por insucessos experimentalmente tentados.
Sobre os pressupostos sociológicos, refere Gérard Fourez e a dupla ideia de «ciência como projecto» e de «verdade para a acção», assim como outras transformações evidenciadas pela sociologia da ciência, quer relativas ao processo de investigação científica (citando Charles Peirce e Wittgennstein que destacam, ao lado da indução e da dedução, um procedimento que alguns denominam ‘coligação’ e outros, ‘abdução’ ou ‘retrodução’), quer à diferenciação entre ciência e tecnologia (rejeitando a bipolarização entre o engenheiro, visto como o projectista que subestima a teoria e o cientista que seria o intelectual) e às transformações da utilização da sociologia (distinguindo a americana, mais secular e ligada aos problemas reais da europeia, mais fiel à tradição académica e algo contemplativa).
O curtíssimo ponto três, intitulado «Kurt Lewin e a Action-Research» é dedicado ao trabalho pioneiro deste estudioso, que enunciou o princípio da dupla recusa: nem acção sem investigação, nem investigação sem acção, o que se traduz no famoso triângulo, cujos lados são: acção, pesquisa e treinamento, sem que qualquer um dos lados seja beneficiado.
Por fim, o ponto quatro, subdividido em vários sub-pontos, apresenta as modalidades e procedimentos da investigação-acção, os objectivos e processos e as fases e planeamentos.
Após a enunciação dos campos da realidade onde foram ensaiados esforços de investigação-acção (serviço social, educação, comunicação, desenvolvimento rural, saúde, movimentos sociais, etc.), distingue-se a investigação-para-a-acção da investigação-na/pela-acção, considerando-se esta, a versão forte e aquela, a versão fraca, a qual se distingue basicamente pela circunstância de «ser desencadeada por alguém que tem necessidade de informações/conhecimento de uma situação/problema a fim de agir sobre ela e dar-lhe solução». Segundo o autor, neste tipo de investigação corre-se o risco de limitações na autonomia do trabalho científico devido aos interesses do encomendador, o que tem que ser acautelado.
Os traços distintivos deste modelo são:
- Separação total do processo de investigação em relação ao eventual curso de acção sobre o objecto/meio de pesquisa;
- Detenção em exclusivo por parte do investigador (individual ou colectivo) da capacidade de recolher e tratar a informação;
- Exclusão do objecto/meio social de pesquisa de qualquer processo tendente a um melhor conhecimento de si como unidade de investigação e sua redução a um estatuto de ‘reservatório de informações’ numa relação que G. le Boterf qualificou de quase-colonial.
Assim, parte-se de uma situação-problema, encomendada por uma entidade; o(s) investigador(es) recolhe(m) e trata(m) a informação em função de propostas para uma intervenção posterior (relatório entregue ao cliente).
A outra modalidade, a investigação-na/pela-acção, também denominada investigação-acção participativa ou experimentação social, é a que melhor corresponde à lógica em causa. Antes de a caracterizar, o autor distingue-a da investigação-participante (apesar de sublinhar que existem muitas semelhanças) pelo facto de esta utilizar uma técnica compósita em que pretende evitar o contacto com o terreno. Refere, porém, autores como Stavenhagen que não as separam e até propõe uma designação abrangente: «observação militante».
Quantos às características da investigação-acção, o autor refere: o seu carácter complexo e o facto de ter natureza colectiva. Ao citar as novas regras que impõe, apresenta: o modelo de pesquisa e desenvolvimento (que é o que mais defende e promove os direitos de prioridade da investigação teórica), o modelo de interacção social (muito usado no campo da medicina e da agricultura) e o modelo de resolução de problemas (o que mais reclama a implicação dos destinatários das inovações e a integração dos seus feedbacks).
Seguidamente, são apresentadas as fases e planeamento da Investigação-na/pela-Acção e o autor sublinha que não é fácil uma ordenação sequencial, mas seguindo autores como Thiollent, normalmente aceita-se que há uma fase exploratória, uma fase intermédia e uma fase final, variando muito a sequência das actividades de cada uma.
Assim, numa primeira fase, mais ou menos alargada no tempo, destacam-se vários tipos de actividade, umas relacionadas com a construção de uma equipa de trabalho, outras, com actividades concretas de conhecimento e acção:
a) Construir uma estrutura colectiva de investigação e acção
b) Entrar em contacto com a população
c) Elaborar diagnóstico preliminar
d) Preparar metodologia de participação.
Na segunda fase, sem rigidez de ordenação, a acção polariza-se em torno de:
a) Elaboração do plano de intervenção
b) Execução
c) Acompanhamento
d) Avaliação
e) Reformulação.
Por fim, a terceira fase apresenta-se como a mais complexa. Se na fase intermédia, o problema principal residia na dificuldade em ordenar as operações, na fase final é a própria definição das operações que constitui o problema. Não se trata apenas de elaborar um relatório final que descreva pormenorizadamente o processo de investigação e a transformação levada a cabo, mas de uma «reconstrução sociológica das virtudes e constrangimentos que se revelaram e ultrapassaram na transformação de uma dada situação» (p. 277).
Síntese Conclusiva
Tal como é comum na Investigação Qualitativa em geral, também na Investigação Acção, a subjectividade não é encarada como um ruído e as diferentes fases do processo de investigação não se desenvolvem de forma linear, mas interactivamente, havendo em cada momento uma dialéctica entre teorias e práticas, culminando na avaliação e apresentação dos resultados à comunidade. Trata-se de uma Investigação Aplicada.

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